24 de março de 2009

Casamento do tabaréu na Rua São JoãoPriscila Santos Silva[1]


O casamento caipira é um dos rituais festivos que integram as atividades do ciclo junino da Rua São João, desde a época da presidência de Mestre Calazans. Ele também está presente em várias atividades festivas da cidade, encenadas em outros arraiais, a exemplo do Arraial do Arranca Unha, organizado no Centro de Criatividade “João Alves Filho”, localizado no bairro Getúlio Vargas. O casamento caipira é tão importante nas comemorações aracajuanas, que integrou as festividades alusivas aos cem anos de Aracaju, noticiada pelo Sergipe Jornal em junho de 1955.
Embora a encenação do casamento junino receba denominações variadas – casamento do tabaréu, casamento do matuto, casamento da viúva e casamento da roça – ele possui unidade e remete sempre a uma forma tradicional de teatro popular, irreverente, irônico e satírico, encenado por um pequeno grupo de pessoas representando personagens fixos (como o noivo, a noiva, o padre ou o juiz) ou variáveis, dependentes do texto em que se inserem (como policiais ou pais da noiva). O que varia é o contexto cultural: o rapaz sendo obrigado a casar por ter “desonrado” a família, desvirginando a moça, ato que poderá resultar em gravidez; ou a viúva ou a solteirona suplicando um marido ao santo casamenteiro.
Na Rua São João, a encenação do casamento caipira geralmente ocorre na tarde do dia de São João, quando moradores de todas as idades do Santo Antônio e demais bairros da capital tomam conta da Rua São João com alegria e descontração. Os festeiros, que se paramentam para o evento ainda em casa, são ‘lampiões’, ‘cangaceiros’, ‘vaqueiros’, que, em seus cavalos ou carroças, concentram-se no Largo Calazans, antes de percorrerem as ruas da cidade na celebração de mais um ritual junino, o casamento caipira.
A rua fica repleta de carroças enfeitadas, em 2006, o Centro Social e Cultural São João de Deus alugou cerca de vinte carroças, outras e alguns cavalos foram alugados pelos próprios moradores do bairro. A essas, somaram-se as trazidas pelos próprios carroceiros vindos de outros bairros para participar da brincadeira. Os moradores da Rua São João participam do cortejo em carroças, cavalos, carros e até caminhão.
Durante o cortejo na Rua São João, o casal de noivos é acompanhado por um carro de som; passam pela Rua Muribeca, avançam pela Japaratuba, daí ganhando as ruas da cidade (planejadas no formato de um tabuleiro de xadrez). O formato em linhas retas das ruas de Aracaju cria quarteirões simétricos, inspirados no tabuleiro de xadrez, que proporciona aos festejos um espaço para a realização da festa e do jogo. O jogo do cortejo não possui nenhuma rainha, bispo ou torres, apenas o cavalo, o elemento mais numeroso da brincadeira. A vitória, por seu turno, não consiste em dar o xeque-mate, mas em encontrar os noivos, que conduzem seu cortejo no descontraído passeio pela cidade.
Depois de percorrer os bairros Santo Antônio, Industrial e o centro da cidade, o cortejo do casamento do matuto chega à Rua São João. Todo o texto é improvisado. A platéia também participa da festa. As crianças, sentadas na extremidade do palanque, fazem silêncio e acompanham toda a encenação. Os adultos, também prestando muita atenção, ficam ao redor do palco. Em nenhum momento é necessário pedir silêncio ao público (mais um personagem do casamento do matuto), que sabe muito bem o seu papel e, por isso, durante a encenação, porta-se como convidado da festa, e no momento em que o noivo recusa casar-se, o público entra em cena e diz: Vai ter que casar! Vai ter que casar!
A comunidade se reúne na Rua São João para viver a festa do cortejo e do casamento caipira, momento de especial alegria, de afirmação de identidade e de produção de vínculos sociais. A festa envolve a participação coletiva de um grupo, interrompe o tempo social e articula-se em torno de um objeto que canaliza todos os focos e produz uma identidade. (Guarinello, 2001[2]).
As festas populares criam momentos de inversão social, de oportunidade para reverter momentaneamente a ordem das coisas. A festa outorga ao indivíduo liberdade para romper com as normas sociais, proporcionando-lhe um espaço aberto à realização de fantasias, de liberdade para escolher o papel que deseja desempenhar. Não obstante a ampla capacidade conferida ao individuo de escolher seu papel ou inverter a sua fachada pessoal, a festa também traça fronteiras; ela não iguala a todos, mas, antes, une os diferentes. (Guarinello, 2001).



Notas:
[1] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe.
[2] GUARINELLO, Norberto Luiz. Festa, trabalho e cotidiano. In: Cultura e sociabilidade na América portuguesa. Organizadores: István Jancsó e Íris Kantor. São Paulo: Edusp, 2001.

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